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29/10/2015ㅤ Publicado às 16:35

Um “jabuti” levou o Senado Federal a aprovar quarta-feira (21/10/15) o “RDC Lava Jato”. Ou seja, o projeto que autoriza o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) em licitações e contratos na área de segurança pública, na realização de obras e serviços de engenharia relacionados à mobilidade urbana (tais como VLTs e metrô) e na ampliação de infraestrutura logística (como estradas e portos). O assunto interessa diretamente as empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, pois uma das modalidades de licitação permitida é a “contratação integrada”, em que a administração pública licita uma obra com base apenas em anteprojeto, expediente utilizado nos empreendimentos da Copa, das Olimpíadas e diversos outros do PAC, boa parte realizada por grandes construtoras.

“Jabuti” é como são conhecidas as matérias que fogem do escopo original de um projeto de lei e pegam “carona” durante sua tramitação, procedimento recentemente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. No caso de ontem, tratou-se da emenda que autoriza a renegociação das dívidas dos produtores rurais que nos anos 70 aderiram ao programa Proálcool, incluída durante a discussão da Medida Provisória 678/2015 na Câmara.

“É lamentável, inacreditável mesmo, que por causa de um ‘jabuti’, o Senado tenha aprovado matéria amplamente discutida e derrotada no ano passado, que foi a generalização do uso do RDC em todas as obras públicas do país”, declarou Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR. “Em última instância, estamos entregando para as empreiteiras o planejamento e a definição da qualidade dos espaços e edificações públicas de nossas cidades”. Ele lembrou que recente pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha para o CAU/BR revelou que 93% dos brasileiros julgam que o governo só pode licitar uma obra se tiver um “projeto completo” e bem detalhado. Ou seja, o oposto da “contratação integrada”. A pesquisa também revelou que 89% da população concorda que a falta de planejamento é a maior causa de atrasos e aumento de custos de obras públicas.

Com base na decisão do STF, o senador Telmário Mota (PDT-RJ), relator da matéria, recomendou a rejeição do Projeto de Lei de Conversão No. 17, nome que a MP ganhou no Senado. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), porém, observou que a decisão do STF ainda não foi foi publicada, e recorreu à Mesa para encaminhar voto contrário ao parecer e prevalecer o texto aprovado no último dia 13 na Câmara. Diante de uma galeria lotada de produtores rurais, o senador goiano fez insistentes apelos aos colegas para que aprovassem o projeto,

O documento originalmente previa o uso do RDC apenas para ações de segurança pública, defesa civil e inteligência, com o objetivo imediato de facilitar a montagem das operações de segurança para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Tudo o mais foi incluído – inclusive outros “jabutis” – pela Comissão Mista que examinou a MP e pela Câmara que a aprovou.

Entre outras inclusões constam ainda o uso do RDC em obras dos sistemas públicos de ensino, pesquisa, ciência e tecnologia Também haverá permissão para licitar pelo RDC a administração de presídios e unidades de tratamento socioeducativo para jovens infratores. E até a mesmo a locação de bens móveis e imóveis para a administração pública.

SANÇÃO PRESIDENCIAL – O “jabuti” agora passa para as mãos da presidente Dilma Rousseff. Se ela sancionar a MP como o Senado aprovou, irá contrariar o reajuste fiscal proposto pelo governo. Ela pode também rejeitar apenas os “jabutis” alegando que são inconstitucionais. Se isso ocorrer, a presidente ficará desgastada com os pequenos e médios produtores rurais e talvez essa tenha sido a razão do líder do governo no Senado, José Pimental (PT-CE), ter apoiado o parecer do relator. De qualquer forma, o “RDC Lava Jato” de interesse das grandes empreiteiras estará consumado.

Durante a sessão, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) apresentou requerimento de inversão, com preferência para votação do texto original da MP, e não do PLV. O requerimento foi rejeitado (37 votos contrários, 24 votos favoráveis e duas abstenções). Curioso notar que votaram com ele o líder do governo, o líder do PT, a líder do PCdoB e do PDT, todos da base governista.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) criticou a adoção “rotineira” do RDC, que vem sendo usado há 12 anos, e disse que a prática favorece a abertura das “portas da corrupção”. Ele lembrou que os o contrabando legislativo com a inclusão de dispositivos desconexos em relação ao tema essencial da MP são também chamados de “medidas provisórias Frankenstein” ou “árvores de Natal”. Nessse caso, disse ele, “além dos penduricalhos, nós temos de contestar a essência da medida provisória, o RDC, adotado transitoriamente, segundo diziam, para atender à necessidade de celeridade nas obras para a Copa do Mundo. E o que decorreu dessa prática, dessa inovação, foi a abertura das portas para a corrupção. Hoje, há consequências visíveis da adoção do Regime Diferenciado de Contratação. Um dos exemplos é esse estádio de Brasília, o Mané Garrincha, que chegou a custar quase R$2 bilhões. Um abuso, uma afronta, um desperdício, um achaque ao dinheiro público”.

“Como os interessados em facilitações advogaram a causa do RDC, ela foi ampliada. Ao longo deste período, desde a realização das obras da Copa até agora, ela atingiu os serviços de obras de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino, a contratação de obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde, a contratação de obras e serviços no âmbito do Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária e permitiu à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ou à instituição financeira pública federal por ela contratada que adotasse o RDC na contratação de todas as ações relacionadas à reforma, modernização, ampliação e construção de unidades armazenadoras da Conab destinadas às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários em ambiente natural”.

“Portanto, a utilização do RDC passou a ser também uma prática rotineira, alcançando várias áreas da Administração Pública.Agora, na análise deste PLV a pretensão é ampliar o RDC não só para as obras de engenharia para construção e reforma de estabelecimentos penais, mas também para a administração dos referidos estabelecimentos, para as ações no âmbito da Segurança Pública, para obras e serviços de engenharia relacionados a melhorias na mobilidade urbana – isso é amplo, é excessivamente amplo –, à ampliação de infraestrutura logística – aonde vamos chegar? – e aos contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de pesquisa, ciência e tecnologia. Portanto, pretende-se que o RDC seja a regra e que a Lei de Licitações, a exceção. Há ai uma inversão de prioridade, em que o RDC passou a ser a regra e a Lei de Licitações, a exceção”, disse o senador do Paraná.’Ampliar o RDC é dar mais trabalho à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal”, completou, citando as instituições que estão coordenando as investigações da Operação Lava Jato.

Também a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB) lembrou a incoerência do Senado aprovar o RDC agora, já rejeitado no ano passado pela mesma Casa após logo debate durante a votação da MP 630.

Para Jeferson Salazar, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), “a apologia à falta de planejamento na gestão pública tem nome: RDC”, Ele recorda que a proposta de ampliação indiscriminada do RDC para todas as obras públicas foi derrotada no Senado Federal no ano passado, quando foi obrigado a recuar mediante a mobilização das entidades nacionais de arquitetos e urbanistas e de engenheiros. “Entretanto, na surdina, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada alterações significativas na proposta inicial, ampliando as possibilidades de uso do RDC. E agora o Senado aprova o projeto sem grandes discussões sobre o mérito do projeto e seu impacto na lisura das ações do poder público, restringindo-se apenas à discussão dos jabutis”.

“Enquanto a sociedade acompanha indignada os escândalos denunciados pela Operação Lava Jato, é inadmissível que o mesmo procedimento, que deu margem a essas ações de conluio entre administradores e empreiteiras no âmbito da Petrobras, seja estendido a todas as obras de mobilidade urbana e infraestrutura no país”., disse o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães.

OUTROS “JABUTIS” – Foram feitas ainda alterações na Lei de Execução Penal para permitir que os presídios terceirizem setores como telecomunicações, reprografia (reprodução de documentos), lavanderia, e manutenção. Também será permitido terceirizar os serviços relacionados à execução de trabalho pelos presos. Na Câmara dos Deputados, esses dispositivos geraram controvérsia por supostamente abrirem a possibilidade de privatização no sistema prisional.

Também foi acoplada à MP a prorrogação da data para os municípios acabarem com os lixões e criarem aterros sanitários. O prazo, que acabou em agosto deste ano, fica agora para 2018. Esta foi a terceira tentativa feita pelo Congresso de estender esse prazo. Duas outras não prosperaram devido a perda de validade da matéria e um veto presidencial. Neste último caso, o Executivo argumentou que a prorrogação iria contrariar o interesse público por adiar a consolidação de aspectos importantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Fonte CAU/BR
Com informações da Agência Senado

Saiba mais:

Brasil ético exige projeto completo

Notas taquigráficas da sessão que aprovou o PLC No. 17/2015

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